Love is Strange - O Amor é Uma Coisa Estranha
Título Original
Realizado por
Elenco
Sinopse
Críticas Ípsilon
Críticas dos leitores
“O Amor é uma Coisa Estranha”: um ensaio sobre a permanência dos afectos
Vanderlei Tenório
Quando o amor está presente, não há necessidade de artifícios, nem de retóricas rebuscadas. Esta talvez seja a premissa que orienta Ira Sachs no sublime “O Amor é uma Coisa Estranha” (Love Is Strange, no original), uma obra rara dentro do subgénero gay que, graças à sua subtileza, honestidade emocional e abordagem humanista, evita os atalhos fáceis do melodrama ou a superficialidade de romances reduzidos ao sexo casual, às idealizações juvenis ou a rupturas abruptas.
É significativo que, ao contrário de tantas narrativas centradas em encontros fortuitos, traições ou paixões efémeras, este filme inicie com um gesto de consolidação: o casamento entre George (Alfred Molina), um professor de música, e Ben (John Lithgow), artista plástico. Um casal maduro, com quase quatro décadas de convivência, que decide formalizar legalmente a união — não apenas por eles, mas como um gesto simbólico para os que os cercam.
A química entre Molina e Lithgow é de uma autenticidade desarmante. Não interpretam um casal: são um casal. Há uma intimidade construída em olhares gentis, gestos afáveis, abraços longos, silêncios partilhados. É essa veracidade emocional que confere densidade ao filme, tornando cada cena credível.
A realização sensível de Sachs, aliada ao guião contido e refinado, valoriza o não-dito, os pequenos rituais, os hábitos do quotidiano que forjam um amor perene. Mas a vida, como bem sabemos, raramente segue o guião do ideal. A estabilidade construída com tanto cuidado desmorona num instante: George é despedido da escola católica onde lecionava, depois de a arquidiocese tomar conhecimento, através de uma simples fotografia no Facebook, do seu casamento com Ben.
A ironia é amarga: todos sempre souberam da sua orientação, mas foi apenas quando o amor se tornou visível e institucionalizado que o sistema reagiu com punição. Este episódio marca uma viragem fulcral. Subitamente, Ben e George confrontam-se com a perda da segurança financeira e, com ela, da sua casa. As suas reformas e rendimentos modestos já não chegam para manter o apartamento em Nova Iorque. O casal vê-se forçado a separar-se fisicamente, recorrendo ao amparo de familiares e amigos, uma solução provisória, mas dolorosa. Ben muda-se para a casa do sobrinho Elliot, partilhando o quarto com o adolescente Joey, filho do casal.
A convivência é tensa: Joey é introspectivo e resistente à presença do tio, e a dinâmica familiar revela um lar onde a comunicação é escassa e a intimidade, rarefeita. George, por sua vez, vai viver com o sobrinho Roberto e o seu parceiro Ted, ambos polícias, inserindo-se num quotidiano ruidoso e apressado, em contraste com o seu estilo de vida sereno e introspectivo.
É nesse desencontro de ritmos, gerações e espaços que o filme ganha fôlego. Ao mostrar como a presença de Ben e George altera e, por vezes, desestabiliza os ambientes nos quais são acolhidos, “O Amor é uma Coisa Estranha” evidencia a fragilidade das relações familiares contemporâneas. Os conflitos não são explosivos, mas latentes, marcados por silêncios, constrangimentos, desilusões e afectos mal resolvidos. É nesse registo intimista e realista que o filme fulgura.
Mais do que um drama romântico, a obra é uma reflexão sobre o envelhecimento, a vulnerabilidade, o pertencimento e a necessidade de conexão humana. Mostra, com uma sensibilidade cortante, como o amor (esse amor que resiste ao tempo) pode persistir mesmo quando tudo parece ruir à volta. Há também uma crítica subtil à sociedade que, mesmo quando se diz progressista, continua a marginalizar o amor entre pessoas do mesmo sexo, especialmente na velhice. George e Ben não são jovens enamorados: são homens que envelheceram juntos, que construíram uma vida em comum, que sabem o que é amar com paciência e ternura.
O filme recusa romantizar ou dramatizar excessivamente essa vivência, optando por uma abordagem sóbria e dolorosamente bela. A simplicidade com que o filme nos toca é, paradoxalmente, a sua maior sofisticação. Sachs não quer convencer-nos de nada; quer apenas mostrar-nos pessoas reais a viverem situações possíveis, e é nesse gesto que reside a beleza da obra. Não há discursos panfletários nem cenas calculadas para arrancar lágrimas. Há, sim, uma humanidade rara, que nos convida à empatia e à contemplação. Para alguns, o ritmo poderá parecer lento. Não há clímax arrebatadores, reviravoltas inesperadas ou grandes gestos cinematográficos.
Mas “O Amor é uma Coisa Estranha” não precisa de nada disso. O que oferece é mais raro: uma história de amor madura, honesta e comovente. Uma recordação de que, mesmo nas adversidades, é possível reencontrar o outro, reaprender a amar e continuar a construir um lar, mesmo quando este já não é um lugar físico, mas uma presença. É, em última instância, um filme sobre a resistência silenciosa do afecto. Sobre como nos reinventamos quando tudo nos é retirado. Sobre como o amor, quando verdadeiro, não precisa gritar: basta permanecer.
Pessoas, vida, no cinema??!!!
Victor Sousa
Três estrelas
Miguel Manso
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