Vingança & Família, SA
Pedro Brás Marques
Há já algum tempo que não viu um filme tão “seco” e “duro”. Família e vingança são temas cuja associação é clássica. Mas, aqui, Jeremy Saulnier oferece-nos um retrato desprovido de qualquer sofisticação ou encanto, apelando ao que de mais básico pode ter a natureza humana. <br />Estamos numa América ‘pura’, longe das cores e do glamour de Nova Iorque ou de Los Angeles e onde Dwight, um maltrapilho, vai sobrevivendo como pode, habitando um decrépito carro que lhe serve para tudo. Até que se apercebe que um determinado criminoso irá ser libertado. Incrédulo, vai até à porta da prisão, onde obtém a confirmação do seu receio: o homem condenado por lhe ter assassinado os pais, estava livre. Imediatamente só uma coisa lhe preenche o pensamento: vingança. Sem estabelecer qualquer plano, consegue atacar o assassino e matá-lo. O problema é que este acto vai desencadear uma outra vingança, a da família do assassino tornado vítima sobre a irmã e os sobrinhos de Dwight. Violência gera violência e ela, em “Ruína Azul”, não é apenas gráfica. É impossível não achar que existe alguma “justiça” nos actos de Dwight, basicamente um filho a tentar vingar a morte dos pais, substituindo-se a uma Justiça que pactuou com o criminoso. Esta empatia com a personagem é evidente, até pela própria ingenuidade das suas acções. Dwight poderia ser qualquer um, tal a simplicidade das suas acções. <br />Aliás, “simplicidade” é uma palavra que assenta como uma luva a este filme. Não há grandes considerações a tomar ou complexidades argumentativas. « ‘A’ assassinou familiares de ‘B’ que o quer matar por isso». Todas as acções são claras e lineares, não há planificação das opções. É caça pura, independentemente do “lado” em que as personagens se encontrem. <br />A tal “secura” de sentimentos que emana das personagens do filme evoca muito do universo dos irmãos Cohen, claro! Mas fizeram-me recordar uma outra pérola do cinema independente americano, “The Shotgun Stories/Crimes de Caçadeira”, de Jeff Nichols (que também “usou” este tipo de ambiente no brilhante “Procurem abrigo”, ambos com esse extraordinário actor que dá pelo nome de Michael Shannon). Também ali, na América profunda, muito para trás dos holofotes cosmopolitas, se narrava uma história de vingança familiar. <br />O cinema independente norte-americano continua a produzir filmes que fazem envergonhar a maior parte das grandes produções de Hollywood. Aqui não há fantasia, ‘happy-endings’ ou histórias de encantar. Há pedaços da vida de pessoas normais, com as angústias e os sofrimentos que as levam a tomar decisões que lhes podem levar a pôr fim à sua própria vida. Mas que também não conseguiriam continuar a viver se o não fizessem, pois ficariam com a vida em ruínas. Azuis.
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