Fidelidade...
Pedro Brás Marques
O livro de Ian McEwan, de que este “A Balada de Adam Henry” é a transcrição cinematográfica, ainda está bem claro na minha mente. Como em quase todas as obras do brilhante escritor inglês, a sua arte de colocar as personagens e, por arrasto, o leitor, em situações complicadas, nomeadamente ao nível dos princípios, leva a que nos recordemos deles bem depois de o fecharmos pela última vez. <br />Fiona May, uma mulher adulta, juíza brilhante e com decisões rápidas, racionais e fundamentadas, vê-se perante (mais) uma decisão complicada: autorizar um hospital a fazer uma transfusão de sangue a um menor, contra a vontade expressa dos pais, uma vez que a crença destes o não permite. Histórias de conflitos entre médicos e Testemunhas de Jeová são recorrentes mas, aqui, Richard Eyre, decalcando McEwan, usa este conflito para lá da mera questão jurídica, aproveitando para abrir a porta aos sentimentos mais profundos de Fiona. Tudo porque, ao mesmo tempo, a sua vertente de mulher “workhaolic” leva a que o marido lhe anuncie, calma e serenamente, que quer ter um “affaire” com uma concorrente mais jovem e, por outro lado, nasça uma estranha relação entre ela e o jovem adoentado. Fiona angustia-se com a saída do marido e com a sua falta de notícias, mas encontra compensação na sensibilidade e na energia daquele jovem que toca música e escreve textos confessionais. Portanto, onde é que acaba a profissional e começa a mulher? E num casal, qual é a maior traição, a física e até efémera ou a sentimentalmente mais profunda mesmo com abstinência sexual? <br />O filme segue quase à risca o livro e isso parece ser o seu único ponto negativo. Com efeito, nota-se claramente que Richard Eyre está mais habituado a contar histórias em palco do que na tela, apesar do seu muito recomendável “Diário dum Escândalo” de 2006. “A Balada…” passa-se quase só em interiores, com muita pouca criatividade directiva, tudo rígido e hirto mas, claro, seguro e fiável: cenários clássicos, guarda-roupa irrepreensível, tudo “very british” incluindo as cabeleiras dos juízes… Quem realmente brilha são os actores que encarnam os dois pólos de interesse: Emma Thompson, mostrando na perfeição as oscilações de Fiona, entre a firmeza da sua racionalidade e a insegurança da sua vida interior e Fionn Whitehead, como Adam Henry, ao conseguir exprimir as suas angústias e desejos, os seus dramas e ambições e a precoce mas encantadora maturidade que tanto encantou Fiona May. Um drama mediano mas agradável.
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