Essência de Jornalismo
Pedro Brás Marques
A Comunicação Social é, por vezes, apelidada de “quarto poder”, ao lado da tríade habitual, composta pelos poderes Legislativo, Executivo e Judicial. E isso advém do facto da sua fantástica capacidade de divulgação, que a torna veículo prioritário para os outros poderes. Daí que as tentativas de o controlar sejam recorrentes, atingindo o expoente máximo nos regimes totalitários, onde não passa de uma extensão da autoridade. Mas, mesmo nos sistemas democráticos, a Comunicação Social sofre “pressões”, que mais não é do que um eufemismo para a vontade de controlar os conteúdos, provenientes de políticos, de grupos económicos e de outros agentes a quem interessa obstar à divulgação de uma determinada notícia. Aliás, esta é uma situação cada vez mais recorrente e chega ao ponto de se adquiri um jornal ou um canal de televisão apenas e só para o calar! <br />Por tudo isso é de saudar a passagem ao cinema do extraordinário trabalho jornalístico que foi a exposição pública da rede de pedofilia que a Igreja Católica norte-americana escondeu durante décadas. A investigação foi levada a cabo pelo jornal “The Boston Globe” e não partiu da habitual e confortável denúncia, mas antes duma sugestão do novo director, a partir duma pequena referência numa coluna de opinião do jornal. Foi esse o primeiro floco de neve duma tempestade com uma magnitude inimaginável. E “The Spotlight”, o nome que o filme foi buscar à secção do “Globe” encarregada de investigação, conta essa história, da descoberta, da procura, dos avanços e revés, das ameaças, enfim, de tudo o que faz parte da essência do jornalismo, incluindo o facto de ser um trabalho de equipa e não de um cavaleiro solitário. Por ser um esforço colectivo e por o filme querer mostrar isso como a essência do jornalismo, nenhum dos investigadores é destacado, como também não o são as vítimas ou os padres criminosos. Dum lado temos uma demonstração de jornalismo em todo o seu esplendor e pureza, do outro, mais do que padres, uma instituição que encobriu uma monstruosa realidade durante décadas. <br />Tom McCarthy construiu este “O Caso Spotlight” (mais um nome português ridículo) não como se dum documentário se tratasse, mas antes como “jornalismo cinematografado”. Por outras palavras, a história é contada como se fosse uma reprodução da realidade dos factos, sem espaço para o desenvolvimento das personagens, porque elas, apesar de essenciais para a história, são instrumentais para o grande e último sentido da mesma. E não é caso único. Adam McKay optou por estilo semelhante no recente “A Queda de Wall Street”, centrando-se mais na história do que nas personagens. McCarthy foi feliz não só ao conseguir condensar cerca de dois anos de investigação em duas horas, como também em dosear habilmente os ingredientes que tinha à disposição, desde cenas em Tribunal até entrevistas pessoais, mas sempre com o epicentro na redacção. <br />Para quem gosta de jornalismo, este filme tornar-se-á, sem dúvida, uma obra de referência e de culto. E é bom que o seja, porque vivemos hoje um tempo de mudança que deveria ser apenas de meios e não de princípios, como infelizmente parece ser.
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