Nã atirem pedras antes de verem o filme
Nuno Miranda
Somos portugueses e queixamo-nos. É, creio eu, uma das características que melhor nos definem. Mas atenção, não reclamamos, apenas nos queixamos. Reclamar seria positivo, queixar apenas nos mantém atolados na mediocridade. Bom, uma das queixas mais comuns é de que o cinema português está mal, que está morto. O desintresse dos realizadores e argumentistas pelo público é quase tão grande como o desinterese dos nossos políticos por aqueles que representam. E tem sido verdade, mas no "Kiss Me" creio que temos uma feliz excepção à triste regra. Na sua forma mais simples, "Kiss Me" é um filme para o público, com excelentes actores, uma banda sonora como nunca cá se fez, uma realização e direcção de actores firme de quem o já faz há muitos anos, uma fotografia de sonho, uma história sólida, interessante, com principio meio e fim.<BR/><BR/>Eis que se levantam os braços dos habitués do queixume: crime lesa-pátria! Não é hermético?! Consegue-se "seguir" a história?! Queremos... oh, o horror... saber o que vai acontecer a seguir?! Podemos sempre gostar ou não gostar de uma história, embora a arrogância de certos espectadores (e leitores) nos bride com os habituais e peremptórios "é mau" ou "é bom".<BR/><BR/>"Kiss Me" é o que é e não pede desculpas. Fosse o nosso querido "cinema português" (existe tal coisa?) sempre assim, o público não se teria mantido tantos anos afastado das salas e não estaríamos à mercê, ao contrário de outos países da europa, dos subsídios e das cunhas para fazer cinema pobrezinho e modesto.<BR/><BR/>Se tem falhas? Claro que as tem. O argumento original de Vicente do Ó foi gravemente mutilado e transformado, os diálogos reduzem-se, por vezes, a monossílabos. O cinema é uma arte (demasiado) cara e até se poderá compreender (mas não perdoar) a insegurança que leva realizadores a jogar pelo seguro, a cortar, a tentar agradar a Gregos e Troianos. Mas diga-se em abono do produto final, e tendo eu tido o privilégio de ler a versão original do argumento, que tal era a sua força que, apesar da cirurgia atabalhoada e amadoresca de Possidónio Cachapa, grande parte ainda se sente no ecrã, mantendo-se a sua essência.<BR/><BR/>Nem todos gostarão deste filme. De minha parte, posso apenas dizer que há muitos anos que não via um filme português assim. Saí da sala com a sensação de que algo está a mudar para melhor, agradavelmente supreendido por esta mudança ter vindo pela mão de um veterano como António da Cunha Telles e não por um outro jovem realizador com vontade de mudar o estado das coisas. Já o tinha sentido também com "Os Imortais" do António Pedro Vasconcelos, mas com "Kiss Me" o optimismo saiu reforçado.<BR/><BR/>A quem "não vai ver cinema português", recomendo que vá ver o "Kiss Me". Se não gostar, paciência. Não se pode agradar a toda a gente, mas pelo menos quando disser mal (e vivemos uma democracia!) falará com conhecimento de causa, coisa importante para qualquer argumento fundamentado. Mas pode ser que tenha uma surpresa agradável. Se não tiver, perdeu cinco euros. Se tiver, ganhou um bom filme. E um bom filme não tem preço.
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