À Beira do Abismo
Título Original
The Big Sleep
Realizado por
Elenco
Sinopse
Hawks realizou obras-primas em quase todos os géneros principais do cinema americano: musicais, westerns, filmes de gangsters, comédias malucas, filmes "negros". "The Big Sleep" é a quintessência do filme "negro", que por sua vez é uma forma de quintessência do cinema, pois estes são filmes cuja acção não tem causas claras, filmes "de ambiente" e de fobias, com personagens criminosos e mulheres traiçoeiras. Estes filmes têm uma estética muito definida: fotografia fortemente contrastada, acção predominantemente nocturna, jogos de luz e sombra.
Texto: Cinemateca Portuguesa
Críticas dos leitores
À beira do abismo
Fernando Oliveira
O “mais americano dos artistas” da “mais americana das artes”, Howard Hawks, um realizador que acreditava que o cinema era acima de tudo divertimento, que “acima de tudo num filme o que conta é a história”, foi também um dos espíritos mais independentes do classicismo americano que, trabalhando em todos os géneros, sempre quis obsessivamente foi encenar estrondosos conflitos românticos entre os seus personagens, conflitos impregnados de tensão física prodigiosamente desenhada nos diálogos e nos pequenos gestos da cada um deles.
A forma como as coisas mais simples definiam as personagens era tudo para Hawks: para ele, as personagens por si eram suficientes para contar uma boa história, a intriga era muito menos importante. E isso não pode ser mais verdadeiro em “The Big Sleep”, uma história bastante confusa (“Killer in the Rain”) escrita por Raymond Chandler, adaptada para o filme, entre outros, por William Faulkner – Marlowe é contratado por um general na reforma para lidar com um caso de chantagem à filha mais nova; há o assassínio do chantagista numa casa onde Marlowe encontra a filha do general drogada, e um acidente de automóvel envolvendo o motorista do general que estava apaixonado pela jovem; há um outro detective que trabalhava para o general e que desapareceu, há a irmã mais velha que joga ao gato e ao rato com Marlowe, há o dono do casino onde esta gosta de jogar, cuja mulher desapareceu com o detective desaparecido; há uma fotografias comprometedoras em poder de uns vigaristas que andam por ali sem saber bem ao quê… E por entre esta confusão o que quer contar Hawks: os jogos de sedução entre Marlowe e Vivian Rutledge, a irmã mais velha, apimentando-a com a sensualidade alucinada da irmã mais nova e com uma extraordinária cena numa livraria entre Marlowe e a proprietária (interpretada por uma muito jovem Dorothy Malone), tão expectante que faz tremer todos os juízos morais. Neste filme, a extraordinária empatia entre Humphrey Bogart e Lauren Bacall contagia tudo, e a mestria de Hawks a encenar este confronto para além da áurea mítica do par, pondo-os a representar diálogos cheios de subentendidos, que torna as cenas numa espécie de espelho do real (eles eram um casal, relembro), mas que é muito mais do que isso, ou tudo menos isso, é as personagens a contarem uma história usando aquilo que Hawks escolheu mostrar para as definir. E é ver como com este desvio Hawks consegue dinamitar um género, o “cinema negro”, onde as ambiências eram tristes, definidas pela solidão, a crueza da vida, a pobreza social, introduzindo o humor, a “alegria” da sedução, mesmo quando as situações deslizam para o trágico. Um filme perfeito.
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