É uma história terrível, numa corrente trágica, que Antonio Piazza e Fabio Grassadonia por muito pouco não deixam ser absoluta. Tal como “Salvo” (2013), o magnifico primeiro filme da dupla, é uma história da Máfia siciliana, inspirada num caso verídico, que aconteceu nos anos 90. Mas se nesse primeiro filme recorriam à mitologia do western e a encharcavam com um sopro trágico, neste “Sicilian ghost story”, filme de 2017, são as lembranças das histórias de encantar que embalam a narrativa. Numa pequena vila da ilha italiana, Luna e Giuseppe são dois miúdos de 12 ou 13 anos que estão apaixonados; numa tarde após a escola e de um passeio numa floresta que é tão encantada como medonha (os animais que os procuram, o cão que os persegue) e de um primeiro beijo, Giuseppe desaparece. <br /><br />Confrontando o desinteresse dos habitantes da vila – rapidamente saberemos que o pai dele está preso e a denunciar os seus cúmplice na Máfia, e que Giuseppe foi raptado por isso – Luna não desiste de o procurar. <br /><br />Ora Piazza e Grassadonia mostram esta deriva de Luna misturando o real, os sonhos e os desejos dos dois, num deambular pela beleza silvestre das matas e das florestas e a maldade dos homens. A natureza distorcida pelos planos cerrados, a estranheza a tomar conta de tudo, o medo sempre presente e cenas absolutamente cruéis. E o amor daqueles jovens, aquela carta que ela lhe deu no dia em que ele desapareceu, um pedido de namoro. É esta força que empurra Luna sempre para a frente, é aquela carta que Giuseppe conseguiu levar para a sua prisão que lhe dá forças na sua resignação. É aquele amor de infância, que tem a força que estes sentimentos têm naquela idade, que elevam a história contada ao sublime. <br /><br />A história em que se inspira é terrível – o jovem esteve sequestrado mais de dois anos, foi assassinado, e depois o seu corpo foi dissolvido em ácido – a dupla de realizadores não foge a isso, mas transfere o peso dramático para a paixão e a busca de Luna. A história da ilha e a relação dos seus habitantes com a Máfia, o medo sempre presente, estão no filme é verdade, mas “Sicilian ghost story” é acima de tudo uma narrativa de encantar, uma história infantil pervertida porque não tem um final feliz. <br /><br />Formalmente é um filme de símbolos, de imagens cheias de estranheza, que sublinham de forma perfeita uma história que mistura os sonhos com o real, e tem uma actriz, Julia Jedlikowska, que interpreta Luna, que é uma maravilha. É o filme mais perturbante que vi este ano, e é um filme espantoso. <br />(em "oceuoinfernoeodesejo.blogspot.pt")