O rei vai nu
António Feliciano
<BR/>A idolatria à volta da figura medíocre e sinistra de Quentin Tarantino já dura há tempo suficiente para que se justifique fazer uma tentativa de o desmascarar. E eis que o momento é o ideal, já que, na senda dos grandes delinquentes, Tarantino vai-nos deixando pistas cada vez mais óbvias sobre a sua verdadeira identidade – como quem deseja ser detido na sua loucura.<BR/>Em “À prova de morte”, Tarantino desce finalmente ao seu habitat natural, os filmes de série Z: filmes de baixo orçamento e pobreza de ideias, que lhe serviram como entretenimento numa adolescência evidentemente penosa. Para se justificar, tenta ludibriar-nos, dando a entender que quer fazer bem o que viu ser mal feito. Mas o entretenimento vazio de ideias ou sentimentos e repleto de mau gosto, não deixa de o ser, por muito bem feito que seja; é da sua essência e a essência das coisas não muda com operações de restyling. <BR/>O filme começa com três jovens que viajam de carro em direcção a uma casa de praia onde vão passar o fim-de-semana. Até lá chegarem, irão beber, fumar erva e seduzir rapazes. Assistimos ao longo diálogo entre as três, superficial e repleto de fanfarronadas de adolescente e referências a sexo, mas que funciona bem como construtor do ambiente da trama. Em breve, começará a pairar sobre o filme a figura, ainda fantasmagórica, de um psicopata. <BR/>Vamos com uns 20 minutos de acção, quando uma das jovens (a mais fanfarrona) se afasta do grupo, sai do bar onde se encontram e troca mensagens com um homem de quem gosta. Ouve-se um piano como música de fundo. A cena chega a ser bonita e, por momentos, vislumbramos pessoas reais, que sentem e vivem, por detrás da vertigem da embriaguês. Mas isto é o mais próximo que Tarantino consegue chegar da profundidade do ser humano. Para ele, os sentimentos são o local do ridículo e o amor é uma promessa que nunca se cumpre (o homem de quem a rapariga gosta deixa-a pendurada). A partir daqui, deixa de haver esperança e o palco é ocupado pelo psicopata, que se aproxima das vítimas apenas para saborear mais intensamente o prazer de as destruir. <BR/>Em breve seremos brindados com cenas de violência extrema e gratuita, duma perversidade sem limites. Tarantino é um sádico perverso, e ficamos a saber que nunca houve esperança, que ele, tal como o psicopata, apenas construir toda a teia de pseudo humanidade a que assistimos, para desfrutar com maior deleite da violência da sua destruição.<BR/>Apesar de estarmos ainda a meio, o verdadeiro filme de Tarantino acaba aqui, acaba num grande orgasmo de sangue, violência e morte. E é o próprio que no-lo diz. É o próprio que entra na acção, não no papel do assassino, para o qual não tem coragem, mas no papel do barman, o que promove a embriagues e empurra os outros para o seu destino trágico. Nada podia ser mais auto referencial, é exactamente isto que Tarantino faz nos seus filmes, arrasta pela embriagues toda a gente para o final trágico que está escrito na mesquinhes da sua mente.<BR/>A segunda parte do filme é uma espécie de réplica da primeira, só que desta vez a miúdas ganham e matam o psicopata. Desta vez, Tarantino já não se dá ao trabalho (porque já não lhe dá gozo) de vislumbrar humanidade, nem de entrar em cena, fica-se pelos estereótipos mais banais, e substitui o ambiente dramático pelo cómico. Continua a haver sangue e violência com fartura, mas o objectivo é fazer o público rir desse sangue e dessa violência (forma já utilizada em Pulp Fiction). E o público ri. Não exactamente por achar graça, mas de alívio. Porque quer acreditar que Tarantino estava só a brincar. Mas não estava… Faz parte dos seus dotes de perverso, este de manipular as pessoas e gozar com o sentimento de omnipotência que isso lhe dá e, acima de tudo, faz parte da sua perversidade, essa necessidade de se justificar, convencendo-se e tentando-nos convencer de que todos gozamos com a violência da mesma forma que ele, que todos somos como ele. Mas não somos…<BR/>Já é tempo de tomarmos Quentin Tarantino pelo que realmente é: um sujeito incapaz de compreender o que quer que seja sobre o ser humano, que se divide entre o gozo mórbido e perverso da violência extrema e gratuita e a tentativa mais ou menos pretensiosa de o justificar, um sujeito que gosta de chafurdar no sangue e que nos quer convencer de que isso é melhor coisa que temos para fazer.<BR/>
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