Paixão
Pedro Brás Marques
A paixão, a irracionalidade da paixão, em nome da qual se está disposto a colocar em causa a própria vida é o tema deste “O desconhecido do lago”, um dos grandes filmes do ano. <br />A história situa-se num ‘spot’ homossexual, uma praia situada nas margens dum lago, onde homens se encontram para terem sexo. Só isso. Não há outro envolvimento que não seja esse. Por lá aparece Franck, à procura do mesmo. Conhece Henri, um cinquentão divorciado, obeso e calmo com quem gosta de conversar, mas acaba por se envolver e apaixonar por Michel, um solteirão, musculado e confiante, com quem adora fazer sexo. A relação evoluiu para uma paixão mas antes disso, Franck assiste a algo que o perturba: vê Michel a afogar o seu namorado de então. Franck fica dividido entre o receio e a paixão, cedendo à segunda, até ao momento em que o aparecimento do corpo do ex-namorado de Michel acaba por precipitar uma série de acontecimentos trágicos… <br />O filme é rico em plurissignificações. Desde logo, o jogo entre o “anjo bom”, Henri, e o “anjo mau”, Michel, dilema que Franck resolve rapidamente. Depois, a constante presença da água, em cuja superfície os homens nadam, essa fronteira simbólica entre o consciente e o inconsciente, entre o céu e o inferno. O próprio conceito de “sexo seguro” é maquiavelicamente adulterado porque seguro é o sexo sem amor porque, com amor, poderá conduzir à morte… E poderia continuar… <br />“O Desconhecido do Lago” é obviamente um thriller, muito antes de ser um filme clara e abertamente homossexual. Aliás, vai bem mais longe do que a maioria dos filmes com sexo heterossexual. Lembram-se da polémica, ali por meados dos anos 80, com “O Diabo no Corpo”, em que a Maruschka Detmers praticava um fellatio no namorado, oferecendo ao filme o discutível mérito em se tornar o “primeiro filme a mostrar sexo oral sem ser classificado de pornográfico”? Pois aqui mostram-se todas as variantes do que dois homens podem fazer sexualmente um com o outro e, que me tenha apercebido, ninguém protestou – o que é de aplaudir. Mas, voltando atrás, confesso que fiquei com uma dúvida: será que a história funcionaria num contexto heterossexual? Sou levado a responder que sim, porque a vertigem da paixão é uma característica humana que leva a transgredir todas as regras e convenções. Quem tiver dúvidas, é só ler ou reler Eça de Queirós.
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