Period Film, Period Cinema
Carlos Natálio / http://ordet1.blogspot.com/
Longe vão os tempos em que um filme como “The Last Station”, de Michael Hoffman, podia mexer com os nervos de uma pessoa. Uma semi-biografia histórica dos últimos anos do escritor Lev Tolstoy (Christopher Plummer), com enfoque na criação do movimento tolstoiano, de cariz anarco-cristão, que proclamava de forma tão mística, quão contraditória, o amor livre e o bem como motor da actuação humana. A este visionarismo, que inspirou a sensibilidade europeia de Hoffman (“The Emperor’s Club”, “Restoration”), junta-se-lhe um conflito que opõe Vladimir Chertkov (Paul Giamatti), discípulo e impulsionador do movimento, e Sofya Tolstoy (Helen Mirren), mulher do escritor, pelos direitos de autor da obra de uma das mais brilhante mentes russas do século XIX. O descentramento dramático desta obra que tem tantas “coisas para tratar”, surge na figura de um novo secretário de Tolstoy, Bulgarov, que ora quer seguir à risca o movimento em que acredita, ora se quer libertar, numa relação amorosa com a liberal Masha. Como se pode perceber, trata-se de um projecto muito ambicioso que tem, além do mais, que cumprir uma formulação romântica e leve como o atesta a utilização da banda sonora ou esse lateral par amoroso. Ficamos obviamente com pena que o romance homónimo de Jay Parini que inspirou o filme, não tenha sido melhor aproveitado no sentido de explorar a contradição de um génio que acaba os seus dias isolado na estação de caminho de ferros de Astapovo, ou que a riqueza da cosmovisão de Tolstoy tenha sido abandonada a umas quantas referências en passant. Fica-nos no entanto a estranha alegria de ver a estrutura de um filme como “The Last Station”, com as suas missivas e orgulho historicista, que pontuou nos anos 90 em obras como “Shadowlands” ou “The Remains of the Day”, transformar-se numa espécie de artefacto histórico, uma forma de fazer cinema de época que já é, ele próprio, de época também. Se é verdade que interessa menos o que as personagens de Tolstoy e a sua mulher Sofya dizem e mais a forma como o dizem, fale-se então dos actores, pois que é um dos objectivos desta co-produção Reino Unido, Alemanha, Rússia. O canadiano Christopher Plummer é um Tolstoy humano, dividido, mesmo bonacheirão, e depois a britânica Helen Mirren agarra na perfeição a chave da indefinição psíquica da personagem de Sofya, que ama o homem desde que integrado num projecto de família. Nesse sentido pensemos em como e para que lado devem correr as grandes ideias? Resta ainda dizer que este foi um dos pares vencidos da edição dos Óscares de 2010, ele nomeado a actor secundário, ela, a actriz principal.
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