Ego-cinema
Pedro Brás Marques
Nem sempre uma boa história consegue sobreviver à transição do meio para onde foi concebida, para outro. A literatura está cheia de exemplos, de grandes obras que deram fracos filmes e livros banais conseguirem a imortalidade através da Sétima Arte. «Vedações» fica a meio do caminho, já que não desmerece a peça teatral de August Wilson. <br />O filme tem uma personagem central, à volta da qual tudo gira, Troy, um lixeiro que, em tempos de maior fulgor físico, fora uma grande promessa do basebol e que só não terá conseguido o estrelato por via da cor da pele. Vive com a segunda mulher e um filho de ambos, e por ali circula ainda um outro filho duma anterior relação e o irmão de Troy, deficiente por via da lesões em combate, mas cuja indemnização permitiu comprar a casa onde todos vivem. <br /><br />Portanto, de grande promessa, Troy passou a ser quase um nada, um lixeiro, que não consegue fechar a boca, que tem a sabedoria do mundo debaixo da língua, tratando os outros com sobranceria, seja filho ou mulher ou amigos. É claro que uma personagem desta jaez só pode trazer conflitos e, na verdade, é o que ele faz. Não se dá com nenhum dos filhos, magoa a mulher, é indiferente ao irmão e despreza os amigos. Daí o título, «Vedações», que são aquilo que todos nós acabamos por construir à nossa volta, mas que no caso de Troy, além de construir literalmente uma no jardim, confronta-se com todas as que os que o rodeiam não hesitam em construir. Ele quer ser referência, quer ser estrela mesmo quando o brilho se extinguiu. Não aceita essa realidade e apenas se torna num elemento perturbador da vida familiar. A tragédia adivinha-se. Não admira, por isso, a “luz” da última imagem do filme… <br /><br />O problema de «Vedações» é Denzel Washington. Não enquanto realizador, onde nada há a apontar, até porque se mexe muito bem nas cenas passados nos escuros e apertados interiores da casa de Troy. O problema é enquanto actor. A personagem exigia algum exibicionismo mas Washington não só não se cala durante infindáveis minutos, como impede as restantes personagens de abrirem a boca. Há vários monólogos ao longo do filme, alguns que só têm como função dar palco à personagem e ao seu infinito linguarejar, cheio de certezas próprias, para esconder o quão fraco e mau ele é. Portanto, Denzel Washington não só não conseguiu adpatra a peça à realidade do cinema , como também não conseguiu deixar de ser ele a vedeta. Cabotino até à medula! Felizmente para nós e até para ele, quem realmente brilha é Viola Davis, longe da personagem patética que interpreta na série com o argumento mais implausível algum dia mostrado em televisão: “How to Get Away with Murder”. O momento de explosão em que ela reivindica o seu direito a ser feliz é de antologia. Há mais energia naqueles segundos do que no filme todo! A Academia percebeu e entregou-lhe a mais do que merecida estatueta. Só isso, vale «Vedações».
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