A oeste tudo de novo
Pedro Brás Marques
Uma grande surpresa!... Confesso que o que primeiro me levou a este “Hell or High Water” foi a banda sonora assinada por Nick Cave e Warren Ellis, tornados irmãos pela graça de Melpomene. Mas o filme assinado por David McKenzie revelou-se grande muito para lé da música dos australianos, mostrando uma dimensão e uma solidez assombrosas. <br />A história começa a ser-nos contada através dum banal assalto a um banco. Logo seguido de outro. São dois irmãos, totalmente distintos entre si. Um, mais violento e emocional, passara dez anos na cadeia. O outro, mais racional e frio, acabara de se divorciar. Ambos partilham um problema: a hipoteca sobre a quinta da família está quase a vencer-se. Como não há dinheiro para a pagar, recorrem à única solução que lhes parece viável: roubá-lo! Em contraste, é-nos mostrado outra dupla fraternidade, não de sangue, mas de profissão: dois experientes “rangers”, a polícia estadual do Texas, que, mais do que os perseguir, procuram antecipar os movimentos e as acções dos dois assaltantes. <br />Este jogo de dualidades, entre novos e velhos, entre a Lei e o Crime, tem no terreno duro, seco, árido do Texas a materialização dum poder teocrático: é aquele semi-deserto quem dá a vida e a tira. As manadas de bovinos ainda por ali são criadas, mas estão em fuga porque há um incêndio que as persegue. Os trabalhadores que viveram sob a chuva de petróleo, deixam escorregar os seus olhos desempregados para os campos onde nada acontece e a extracção do ouro negro dispensa-os. Os bancos que guardavam as riquezas duma vida estão transformados em predadores materialistas que engolem os que não têm força para resistir, e são quase todos. <br />O cenário natural encontra uma lúgubre sintonia na desolação e no desencanto que perpassa por aquela “middle america”, sublinhado pela melancólica e belíssima banda sonora de Cave & Ellis. É natural que tenhamos alguma simpatia pelos dois irmãos que tentam salvar a família. Ronda por aqui o espírito de Frank Capra e do desesperado Bailey de “Do Céu caiu uma Estrela” ou do aviso de Springsteen em “Highway Patrolman” (“Man turns his back on his family well he just ain't no good “…), mas a verdade é que a Lei é para se cumprir e os dois irmãos violam-na flagrante e violentamente. Mas, talvez os dois irmãos ou, pelo menos, um deles, consigam a redenção, como a história do bom e do mau ladrão perante a justiça divina de Cristo, no Calvário. <br />Chris Pine está excelente, num registo angustiado, fechado, muito longe da luz que lhe deu o “Caminho das Estrelas”. É ele que se contrapõe ao irmão psicopata, pronto para tudo, até para morrer, numa interpretação segura de Ben Foster. Do lado da Lei, o destaque vai para essa lenda viva, não do Velho Oeste, mas do cinema dos últimos trinta anos, Jeff Bridges. O seu “ranger” é um agente perspicaz, inquebrável e absolutamente determinado, tal qual os velhos sheriffs que ali mantinham a ordem no século passado. Até porque, bem vistas as coisas, substituindo os carros por cavalos, tudo parece parado no tempo: os casinos, as prostitutas, os ranchos, as pequenas cidades, os minúsculos bancos, a sanha justiceira da população e, claro, o imutável deserto onde se escondiam os índios e os fora-da-lei dos quais só restam estes últimos… <br />Absolutamente brilhantes são a realização e a fotografia. Esta, por captar na sua plenitude a força esmagadora daquelas infindáveis e enganadoramente serenas paisagens. A realização de David McKenzie por não ter caído na casca de banana da obrigatoriedade de “acção” neste tipo de argumento. Muito pelo contrário, optou por planos longos e lânguidos e não teve receio em colocar as personagens a conversarem demoradamente sempre num plano imutável, quase uma heresia para a frenética montagem do actual cinema americano. <br />O filme está a passar despercebido, o que é uma pena, porque estamos no domínio da excelência cinematográfica. São obras como esta que nos fazem acreditar na virtude dessa arte que numerámos de sétima e que, com filmes destes, aguentará “come hell or high water”!...
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