Animais nocturnos
Fernando Oliveira
O filme começa com uma encenação onde corpos femininos nus, deformados pela obesidade, dançam grotescamente; percebemos depois que é parte de uma exposição numa galeria de arte de Los Angeles, é a noite de inauguração e Susan, uma das responsáveis da galeria, sente-se abstraída em relação ao sentido de tudo aquilo. Este inicio introduz-nos num dos três tempos narrativos que Tom Ford conta neste “Animais nocturnos”: <br />O presente – Susan é infeliz, parece que perdeu o interesse pelo que faz, o casamento esgotou-se, os negócios do marido estão à beira da falência, pouca coisa parece ter algum sentido. Nessa noite quando regressa a casa, recebe uma encomenda do primeiro marido que ela deixou quase há duas décadas, uma cópia do seu primeiro romance que enfim escreveu e lho dedicou. Como o marido vai em negócios para Nova Iorque (saberemos mais tarde que é para estar com outra mulher) fica sózinha em casa e começa a ler o livro… <br />O que se ficciona no livro – um casal e a sua filha adolescente são atacados durante uma viagem no interior do Texas; ele é abandonado num lugar ermo, elas são violentadas, violadas e assassinadas; com a ajuda de um detective da polícia local vai conseguir punir os criminosos; mas acaba por morrer também… <br />As memórias de Susan – ao mesmo tempo que vai lendo o romance, ela vai recordando momentos da sua vida com o primeiro marido: o encontro em Nova Iorque; o final da relação; quando percebe que ele a seguiu quando abortou do filho que seria deles … <br />Quando numa das memórias de Susan ouvimos Edward (o ex-marido) responder-lhe que todos os autores escrevem sobre eles próprios, começamos a perceber que o que Tom Ford conta neste filme (o notável argumento é dele, adaptando uma novela de Austin Wright) é uma história de fantasmas. O romance será uma tentativa de ele, o ex-marido, exorcizar o seu amor, o seu passado com ela; há, no entanto, momentos consecutivos em que cenas do livro são encenadas da mesma forma que momentos do presente onde Ford parece mais querer sublinhar o poder da palavra escrita, é muito belo o momento em que depois de Susan acariciar o seu nome no inicio do livro, o filme começa logo a narrar a ficção contada no livro. Mas temos que ver a morte dos personagens do livro (pai, mãe e filha) como uma vingança do autor para com aquela mulher, um lavar de alma, um fim, uma representação, que a solidão de Susan no final parece definir. <br />Depois de um filme também muito bom, “Um homem singular” em 2009, Tom Ford realiza um filme admirável, um filme que nos perturba porque nos questiona, e nos projecta para uma sala de espelhos onde a imagem reflectida é muitas vezes perversa. <br />Haverá uma exagerada estilização narrativa e formal como é contado, mas os estremecimentos emocionais que provoca são suficientemente fortes para a esquecermos. <br />Magníficos são os actores: Amy Adams é uma Susan tão delicada, tão diáfana, que é absolutamente comovente; Jake Gyllenhaal é os dois maridos, personagens difíceis de ler, emocionáveis, mas que perecem não ter emoções; e Michael Shannon e Laura Linney, sublimes na textura com que expressam a sua representação. <br />Um filme inteligente, um dos melhores filmes de 2016. <br />(em "oceuoinfernoeodesejo.blogspot.pt")
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