Moretti delicadamente regressa
André Medeiros Feijó
<p>Muitas vezes esperamos ansiosamente, e por demasiado tempo, pelo lançamento de mais uma obra de algum dos nossos realizadores dilectos e eis que, quando surge, ela supera sobremaneira as nossas melhores expectativas. Falo, desta vez, de "Habemus Papam" de Nanni Moretti. Não é novidade para ninguém que amo o cinema italiano e menos novidade é que Moretti se encontra no Olimpo das minhas preferências desde que realizou o sublime "O Quarto do Filho" - vencedor da Palma de Ouro em Cannes -, um dos filmes mais comoventes a que já assisti. Foi essa obra que me levou a visitar grande parte da filmografia de Moretti, coisa de que jamais me poderei arrepender. Fiquei portanto extasiado quando soube que este ano estrearia este seu filme e nem hesitei em ir vê-lo na estreia.<br /><br />Moretti veio tocar, desta feita, num assunto q.b. sensível e/ou polémico: a escolha de um Papa, no Conclave. Socorrendo-se das cenas reais da morte de João Paulo II, do seu funeral e das emoções que então se fizeram sentir na Praça de São Pedro, o filme toma como ponto de partida a escolha de um novo Papa, com centenas de jornalistas a noticiar o evento e a apontar os favoritos à eleição. Estou em crer que as cenas do Conclave são absolutamente estupendas, traçando um retrato bem verosímil de um grupo de senhores de provecta idade, rabugentos e aborrecidos - os cardeais -, que no momento da derradeira escolha tomam atitudes a que chamaríamos pueris.<br /><br />Não obstante, é chegado o momento em que, e por unanimidade, se escolhe o novo representante de Deus na Terra e o eleito é o cardeal Melville, brilhantemente interpretado por Michel Picolli. Este escolhido não o queria verdadeiramente ser e tem uma crise no momento em que se deveria dirigir aos fiéis. Na verdade, não pretende ser Papa e quer aproveitar os anos que lhe restam de velhice, dedicando-se a algo diferente daquilo para que foi eleito entre os seus pares. A solução está então em chamar um conhecido psicanalista - interpretado pelo próprio Moretti - na tentativa de que este possa convencer o novo Papa eleito de que ele é homem certo para o cargo e de que supere os seus medos. Mas essa é uma tentativa malograda. E o final do filme haverá de nos demonstrar isso mesmo, levando-nos, pelo menos no meu caso, à comoção.<br /><br />O retrato que Moretti nos faz de um homem prestes a passar pela maior e mais importante mudança da sua vida é, de facto, soberbo. E não menos soberba e tocante é a sensibilidade e melancolia com que Picolli interpreta a sua personagem. "Habemus Papam" é um filme perfeitamente psicanalítico, uma lição moral sobre o peso que constitui a responsabilidade religiosa e acima de tudo uma demonstração sublime de como Moretti doseia o seu peculiar humor com a densidade de um autêntico testemunho existencial: o cardeal Melville e a sua comovedora vulnerabilidade.<br /><br />Uma nota final apenas para considerar despropositada a carta de Salvatore Izzo, um bispo italiano, publicada no diário «Avvenire», onde pede aos católicos de todo o país para não verem este último filme de Nanni Moretti. Para Salvatore Izzo, não se deve tocar no Papa, alicerce fundamental e primeiro da fundação da Igreja. E apesar de reconhecer que não viu o filme, incentiva os leitores do «Avvenire» a boicotarem a película, coisa que mais ninguém no Vaticano fez. Respondendo a isto, Moretti disse que o seu filme não é sobre religião, nem pró ou contra a igreja, mas sim sobre a dificuldade em estar à altura das expectativas. Eu diria tão-só que desta vez o realizador colocou a fasquia bem alta e realizou, sem dúvida, um dos mais belos filmes.<br /><br />Critica originalmente publicada em www.retroprojeccao.blogspot.com</p>
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