A abnegação do amor da mulher
Patrícia Mingacho
<p>Tenho tendência para dizer que não gosto do cinema português mas, por vezes, as minhas verdades são desmistificadas e fica apenas a certeza que, de certezas, está a razão cheia mas, se nos deixarmos ir ao sabor da emoção a nossa alma fica mais cheia...<br /><br />Eis que o filme "Sangue do Meu Sangue" me fez perceber que o cinema português pode oferecer-nos obras-primas... Há neste filme uma inteligência atroz...a forma como o realizador capta as situações faz-nos deambular sobre algo que desconhecemos porque ali não vivemos...e, no meio da escuridão, no meio de ambientes que soam a decadência conseguimos ver centelhas do que é mais digno de cada ser humano...o amor que cada mulher é capaz de sentir por aqueles a quem o sangue agarrou... <br /><br />É deveras surpreendente a forma realista como João Canijo nos consegue levar aqueles ambientes...a música pimba que engrandece cada espaço, porque só assim conseguiríamos ser catapultados para lá... o relato de futebol que se ouve num momento deveras cruel, porque ausente de sentimentos, dá amplitude, crueza à situação com que o realizador nos quer fazer entrar...<br /><br />As imagens cortadas em dois, para que nada se perca deste enredo que grita por horror mas, que no desequilíbrio que é viver ali, cada um se constrói e tenta viver com aquilo que tem... e a casa do médico, como contraponto para toda aquela miséria, pontua-nos com imagens belas mas, a ausência do mais profundo entre dois seres faz-nos viver essa superficialidade...<br /><br />Há em cada situação uma inteligência, uma dinâmica de um realizador que se sente maduro, porque conseguiu ali estar e sentir aquele mau estar mas, ao mesmo tempo, num processo de esperança cria laços que nos fazem acreditar que, no meio da escuridão, há quem ame de forma incondicional e, também por isso, capaz de cometer actos que à luz da moral são deveras criticáveis mas de que serve tecer comentários repletos de moral se nunca nos vimos por ali passar...<br /><br />O cinema português está vivo e recomenda-se...os actores que por ali passam enriquecem de tal forma aquela tela que aquela história tinha que ser contada por eles... há uns anos confrontei o Nuno Lopes por um papel secundário; ali consegui ver um actor capaz de se transcender e tornar-se num ser facínora, execrável mas, apesar disso e porque cada ser humano tem esta dicotomia entre anjo e demónio, consegue amar aquelas do mesmo sangue... Rita Blanco, a serenidade que não transparece enquanto mulher mas, porque consegue beber o que cada personagem lhe dá, dá corpo a uma mulher repleta de dignidade, uma mulher que acredita que se a vida lhe dá dificuldades terá que se erguer, pois só assim a vida lhe irá obedecer...<br /><br />É impressionante como um filme em que as personagens são tão pouco de nós, nos consegue transmitir tanto...não há solilóquios, discursos de moralidade, não há solilóquios, conversas trocadas de pensamentos profundos mas o estar, o sentir integram-nas e dão uma dimensão atrozmente profunda a esta obra-prima...</p>
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