Sexo, mentiras e hip-hop
Gonçalo Sá - http://gonn1000.blogspot.com
Adaptando para o grande ecrã um dos livros mais elogiados de Eça de Queirós, "O Crime do Padre Amaro" foi originalmente concebido enquanto uma mini-série da SIC mas, como a exibição desta só está programada para o próximo ano, o projecto acabou por originar também uma longa-metragem. Em 2002, o mexicano Carlos Carrera realizou outro filme baseado na obra, cuja passagem pelas salas gerou controvérsia não só no seu país de origem mas também em Portugal, e agora Carlos Coelho da Silva aposta em mais uma versão, ainda mais livre do que a anterior.<BR/><BR/>Decorrendo num bairro suburbano lisboeta, a acção inicia-se com a chegada de Amaro, o novo e jovem pároco local, que cedo se apercebe das múltiplas carências, problemas e limitações que marcam o dia-a-dia da sua mais recente paróquia. Contudo, a situação só se torna conturbada para si quando, aos poucos, se vai envolvendo com Amélia, a insinuante filha da dona da casa em que está hospedado, o que o obrigará a questionar a sua conduta e vocação.<BR/><BR/>Embora este ponto de partida seja consideravelmente fiel ao livro de Eça, colocando o celibato clerical no centro dos acontecimentos, o filme insere na narrativa outros – e demasiados – elementos relacionados com a realidade urbana portuguesa, desde um amor interracial (que nada acrescenta a quem viu – ou mesmo a quem não viu - “Zona J”), missões de jovens criminosos oriundos de guetos (que não dispensam a obrigatória banda sonora à base de hip-hop) ou episódios supostamente cómicos à custa dos dois gays locais (que, surpresa das surpresas, são cabeleireiros e cuja caracterização se esgota numa série de tiques e trejeitos caricaturais).<BR/><BR/>Ao querer seguir o percurso de tantas personagens e sub-enredos, "O Crime do Padre Amaro" torna-se num filme indeciso que nunca chega a aprofundar nenhuma das múltiplas questões que aborda. Enquanto série televisiva talvez consiga funcionar, mas o que ocorre aqui é uma alternância constante de situações que não dá tempo nem espaço para que os actores – os bons, pelo menos, e há alguns – trabalhem as suas personagens.<BR/><BR/>Se por um lado o filme tem mérito por se debruçar sobre temáticas actuais e relevantes – como a corrupção na Igreja, o aborto, a criminalidade, o racismo, o celibato ou a pedofilia -, também cede à via mais fácil e imediata, enveredando por lugares comuns de vários filmes (e telefilmes, dos quais, de resto, "O Crime do Padre Amaro" não se distancia muito) nacionais cujo excesso de cenas de sexo e palavrões servem mais a campanha publicitária da película do que a consistência do argumento.<BR/><BR/>O facto de um filme pisar domínios "mainstream" e não aqueles associados ao cinema de autor não implica que caia no gratuito e superficial, mas aqui isso é o que acaba por acontecer demasiadas vezes, por oposição à moderação da versão mexicana, que sendo menos "fashion" e irreverente continha maior subtileza.<BR/><BR/>"O Crime do Padre Amaro" é assim um objecto frágil, mas ainda com ocasionais motivos de interesse. O elenco, embora desnecessariamente extenso, é aceitável, pois a solidez de consagrados como Nicolau Breyner, Ana Bustorff, Nuno Melo ou José Wallenstein compensa a irregularidade de algumas novas caras, mas mesmo entre os mais jovens há desempenhos competentes, como o de Jorge Corrula no papel de Amaro (já Soraia Chaves passa a maior parte do tempo a exibir outros talentos e quando tenta dar complexidade à sua personagem já é tarde demais).<BR/><BR/>Apesar das duas horas de duração e da dispersão da narrativa, Carlos Coelho da Silva não deixa que o filme caia na monotonia, conseguindo injectar-lhe um conseguido ritmo e fluidez, e a banda sonora é interessante, incluindo projectos como Da Weasel, Mesa, Sam the Kid ou The Gift.<BR/><BR/>"O Crime do Padre Amaro" não explora plenamente (longe disso) as possibilidades que o livro que o inspirou oferece, mas mesmo fazendo cedências comerciais consegue ainda incentivar alguma reflexão, sendo uma obra mais escorreita e menos inócua do que alguns outros títulos "mainstream" que estreiam regularmente. E é talvez por não se esperar muito que se conclua que esta consegue ser uma experiência cinematográfica aceitável, ainda que de cinema tenha pouco. 2/5 - Razoável.
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